Por Edmilson Sanches
O município de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, está a 2.771 quilômetros de Imperatriz. Mas se a distância separa as duas cidades, diversos pontos as unem ou aproximam.
Santa Maria foi fundada em 1858, mesma década da fundação de Imperatriz, de 1852. Sua população, de 260 mil habitantes, é quase a mesma de Imperatriz, com 250 mil. A área territorial de Santa Maria é de 1.779 quilômetros quadrado (km2), 30% a mais do que a de Imperatriz, de 1.367 km2.
Santa Maria tem a mesma quantidade de canais de televisão e, igualmente, o mesmo tanto de jornais impressos -- dois. É a cidade com o segundo maior número de gente rica do estado -- o que se supõe que seja o caso de Imperatriz, segunda maior economia maranhense, embora não haja pesquisa conhecida sobre a quantidade de plutocratas imperatrizenses. ("Pluto", em grego, quer dizer "riqueza").
Entre tantas semelhanças, o que destacadamente aproxima Santa Maria a Imperatriz é a natureza de sua economia, que torna os dois municípios referências regionais. A economia santa-mariense, como a imperatrizense, é baseada no setor de Serviços. Neste setor ambos os municípios detêm segmentos de destaque, com relevo para o comércio e, bingo!, a prestação de serviços educacionais -- que dá o título de "Cidade Cultura" para Santa Maria.
É aí, exatamente aí que Imperatriz mais se aproxima de Santa Maria, na condição de cidade que é referência em cursos universitários (ou superiores). Santa Maria tem pelo menos oito instituições de ensino superior, entre elas quatro faculdades, um centro universitário e duas universidades (uma destas federal, a Universidade Federal de Santa Maria, a primeira criada em um município de interior no Brasil, em 1960, e hoje com cerca de 150 cursos de graduação, pós graduação e ensino técnico e tecnológico).
Do "A" de Administração ao "Z" de Zootecnia, Imperatriz tem, estimativamente, cerca de 70 cursos superiores de graduação, pós-graduação e ensino técnico e tecnológico, presenciais, semipresenciais e não presenciais. Levando-se em conta toda a rede de Ensino, incluídas as redes públicas municipal e estadual, a rede privada e o Ensino Superior e técnico e tecnológico, do "pré" (infantil) à "pós" (graduação), Imperatriz deve ter cerca de 100.000 estudantes.
Todas as várias redes de ensino e quase todos os cursos realizam periodicamente eventos, dos mais tradicionais (como as festas de formatura) aos ocasionais (como comemorações de datas ou dias, festas de aniversários, realização de feiras etc.). A realização de cada um desses eventos, em maior ou menor grau, carrega um potencial de risco.
No caso das festas e eventos de alunos de cursos superiores, elas são diversas e para elas -- senão por causa delas -- uma rede de prestação de serviços também se forma. São boates, casas noturnas, “discothèques”,danceterias, bares, pátios, parques de exposições, enfim, um conjunto de estabelecimentos disponíveis para atender um público consumidor potencial, pois geralmente esse público-alvo é formado de pessoas com bom, razoável ou algum poder de consumo. Esse público é formado de gente que sabe que festa é momento mais de hormônios que neurônios, que vão “curtir”, esbaldar-se -- afinal, é festa. É público formado de gente legalmente responsável, seres senhores de seus atos, jovens geralmente maiores de 18 anos -- tanto que este detalhe está no cartaz da festa de sábado/domingo na boate Kiss, de Santa Maria, onde, a partir de incêndio iniciado às 2h30 da madrugada, morreram mais de 230 pessoas em um momento que era para ser de alegria, descontração, “curtição” e arrecadação de recursos para formatura.
Qual o olhar, qual a sensibilidade, sobretudo quais as providências legais, técnicas, formais, de inspeção, de fiscalização e de polícia administrativa fortes, permanentes, inegociáveis, qual o pulso forte que saia do refrão de música de campanha eleitoral e se faça mesmo presente e verificável no dia a dia normal do município de Imperatriz em relação a essa cadeia de interesses comuns, interligados, a serviço de eventos de estudantes e, também, de outros frequentadores?
Outra pergunta: É suficiente, adequado e disponível o número de leitos e de profissionais de saúde especializados (pneumologistas, especialistas em queimaduras etc.) em caso de -- Deus livre Imperatriz! -- grave ocorrência de incêndio?
Mais pergunta: Imperatriz e seus administradores têm de trabalhar com planejamento estratégico, com planos para situações de crise. Isso existe? Não, porque, como "eles" dizem, "isso é coisa de intelectual". Isso é que dá a idiotia no poder. São administradores por impulso, tomadores de providências; não são gestores de pulso, provedores de previdências. Eles sabem, ou deveriam saber, que Imperatriz está só. Só pode contar com ela. Está sozinha com sua estrutura hospitalar a centenas de quilômetros de outros centros que lhe possam auxiliar em caso de incêndios com grande número de vítimas, em caso de queda de aeronaves, em caso de desastres de grande monta na BR Belém--Brasília, em caso de explosões, enchentes nunca vistas, desabamento de prédios altos e outros infortúnios indesejáveis mas possíveis. Imperatriz está só. Até para transporte aéreo de vítimas em estado grave a cidade está a horas distante.
Assim, temos de, primeiro, contar conosco mesmo. Com as nossas orações, rezas, batidas de tambor, mandingas e o que for espiritual, moral e legalmente saudável para afastar calamidades, distanciar catástrofes, descartar desgraças. Temos de contar com isso mas, indescartavelmente, temos de contar com as "providências previdentes": criar planos de contingenciamento, previsão de operações em situação de crise. Toda omissão, falta de vontade, falta de conhecimento, toda ignorância é cúmplice de tragédias, colabora com o azar, com a má sorte. Administração é, também, ciência. Ciência é conhecimento, racionalidade, ação, resultado, verificação, controle. Existe isso em Imperatriz? Onde? Quando? Quem está envolvido? Quem sabe?
E mais perguntas: A propósito, as ditas "casas noturnas" (como se fogo só pegasse de dia...) têm saídas de emergência em quantidade e no tamanho adequados, legal e tecnicamente dimensionados? E o isolamento acústico, cuja ausência é motivo até de briga judicial e permanente insatisfação de moradores vizinhos? E dentro desses estabelecimentos os materiais que os constituem são comburentes, combustíveis, queimam muito? E, além de queimarem muito, são materiais tóxicos e qual a natureza do gás que se forma e exala? As ditas "casas noturnas", antes de seus "shows", anunciam -- como o fazem os cinemas, por exemplo -- as informações de segurança? E seus seguranças, brigam mais COM os frequentadores ou PELA vida e incolumidade física destes? Esses estabelecimentos, além de saberem cobrar, sabem cumprir? E os Poderes Públicos, sabem agir preventivamente, planejadamente ou só sabe apresentar desculpas indesculpavelmente, hipocritamente, cinicamente, descaradamente?
A tragédia de Santa Maria será muito mais trágica se nós não aprendermos com ela. Não podemos ressuscitar os mortos. Não sabemos como desinflar o peito dos pais, familiares e amigos que arde de dor. Não sabemos como desentalar a garganta que se sufoca de emoções...
Só sabemos sentir o olhar perdido e choroso dos que choram. Só podemos estender em intenção uma mão e um lenço espiritual que colha, que apare a lágrima que flutua nos cílios e que, pela gravidade e por outra lágrima que empurra, cai como pena na sensibilidade dos que a têm.
E que cai como pedra na consciência dos que não têm.
Santa Maria, rogai para que a tua tragédia não se abata sobre nós.
Amém.
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