Vim tomar café da manhã, na Academia Francesa, com Maurice Druon, seu secretário-perpétuo, o grande autor dos Reis malditos e um dos maiores escritores do nosso tempo. Leio no Le Figaro sua preocupação com a pureza da língua francesa, invasão das expressões inglesas, sua revolta contra a exclusão das televisões, morrendo um a um, os programas culturais.
“A língua francesa tem sua vocação de ser uma língua de cultura. Nela os homens formularam seus melhores pensamentos. Foi o francês que fixou na escrita os direitos do homem, esta etapa extraordinária da inteligência humana”, afirma no seu jeito extrovertido, cheio de gestos largos e calorosos.
A sala tem as paredes repletas de retratos de grandes escritores e pensadores. “Estes nos rodeiam na sua eternidade”. São belos retratos, molduras douradas em talhas que têm a carga dos séculos. Molière, Racine, Perrault estão à minha frente. Falo que a língua portuguesa também padece dos mesmos problemas. “É um fenômeno universal”, retruca. E acrescenta: “Não é o inglês que nos ameaça. É a língua de papel verde, que destrói os idiomas, as culturas no poder avassalador do sistema financeiro”.
Lembro-lhe que a sociedade industrial gera valores materiais, destrói e não cria valores espirituais. Todo o esforço está concentrado no lucro, no sucesso dos negócios, na oportunidade de consumir. Proponho que a cultura deve estar na mesa do planejador como todos os outros setores. Colocar a cultura entre os objetivos da engrenagem econômica, produzir bens culturais.
Recordo que o Brasil representa uma experiência inédita, pois com o desenvolvimento das comunicações, a sofisticação técnica, passamos de uma cultura oral para uma cultura visual. Não passamos pelo livro. Sobrevive a cultura popular do futebol, do sincretismo religioso, do carnaval e sabe Deus como. A violência é consumo obrigatório. E, das telas de TV, vai para o triste exercício do cotidiano. Não se sabe o que ocorrerá no espírito das novas gerações.
Falo dos arquivos franceses abertos por Maurice Pianzola e que, agora, nos obrigam a reescrever a história do Grão-Pará e Maranhão. O avô de Druon é o maranhense Odorico Mendes, tradutor da Ilíada e que escrevia sonetos de circunstância para Pedro II, que muito o admirava, e recebia missões culturais na Europa. Combinamos, na sua expressão larga, “um ato espetacular” de reunir o Instituto de Língua Portuguesa e o movimento dos países francófonos, em defesa das línguas latinas, na Academia Francesa.
Já vamos saindo. No corredor, vejo um medalhão pintado daquele rosto bem francês, de nariz grande: é Montesquieu. Digo-lhe que tenho a primeira edição de O espírito das leis, que comprei há muitos anos num antiquário na Rua de Santo André das Artes.
Brinco: este homem está fazendo falta no Brasil. Estamos querendo fazer política sem políticos e democracia sem instituições. A teoria dos três poderes harmônicos e independentes entre si está em frangalhos. Agora, se fala que Montesquieu não sabe nada, só o papa.
Druon não entende bem e apenas lhe faço uma síntese: a harmonia dos três poderes, no nosso país, se transforma numa luta de facas e isso não nos leva a um bom caminho.
Olho de novo para Montesquieu e lhe peço: “Vá ao Brasil antes do papa”
Por Gilberto Léda
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