domingo, 7 de abril de 2013

Flamengo não é um produto


Hoje em dia tá muito na moda falar que o futebol do Flamengo tem que ser trabalhado como um produto. É um dos pontos menos contestados do discurso dos administradores que assumiram o clube no começo do ano pois parece a quase todos bastante lógico. Mas talvez a associação da maneira moderna e racional de administrar o futebol com o termo produto não seja das mais felizes.
A tolerância de um consumidor aos defeitos dos produtos e às falhas dos fabricantes é próxima do zero. Se o produto não for capaz de se provar bom todos os dias o consumidor simplesmente muda de marca. Ninguém fica comprando todo mês um desodorante que o deixa ainda mais fedorento só porque entende que a fábrica de desodorante está numa má fase ou se reestruturando.
No futebol é exatamente o contrário. Os consumidores escolhem uma marca (ou são escolhidos por ela) e quando não dão sorte de fechar com o certo se condenam a ficar anos, décadas, gerações inteiras com o sovaco fedendo porque escolheram um produto de segunda linha. E por maior que seja o bodum nem por um segundo passa pelas suas cabeças a ideia de mudar de desodorante. Pelo contrário, mudar de marca, um ato dos mais corriqueiros no mundo dos artigos de toucador, é um dos maiores tabus do mundo do futebol.
É a sorte desses caras. Imagina se o futebol do Flamengo fosse um produto. Hoje eu, você, sua namorada gatinha, vovô e vovó, estaríamos usando um dos piores desodorantes da história da humanidade. Com 80 milhões de sovacos rubro-negros a manifestar sua fidelidade inquebrantável seríamos causadores e vítimas do maior surto de cc do planeta. Uma hecatombe ambiental cujos efeitos catastróficos sequer podemos prever.
Não existe ninguém nesse mundo, por mais malvado que seja, capaz de fazer com a gente as barbaridades que o Flamengo faz. Mas nós estamos ligados ao produto como se ele fosse uma bola de ferro presa à uma corrente. Somos clientes pra vida inteira. Fidelizados ad eternun. E ainda fazemos absoluta questão de transmitir essa fidelidade aos pósteros.
Em atenção à meninada nesse sábado até tentamos deixar pra lá o carioqueta, que já era quase uma improbabilidade matemática, mas uma mudança de planos nos colocou junto à uma televisão às 16:00 h e acabamos prestando mais atenção do que devíamos à embaraçosa megapelada. E mais uma vez o máster aniquilador de finais de semana brandiu sua foice impiedosa. E lá se foi mais um sábado pro lixo. Na moral, Flamengo, para com isso. É muito pereba junto.
Não dá nem pra comentar o jogo, foi muita baixaria. Essa despedida da Taça Rio foi pra testar a paciência de qualquer um até os limites da sanidade. Por isso tem muita gente revoltada e exigindo cabeças em bandejas de prata como Salomés enlouquecidas. Por enquanto ainda reluto em engrossar o coro do Fora, Jorginho!porque mandar o cara embora após 4 ou 5 jogos me parece uma insanidade ainda maior do que manter no grupo quem não está rendendo há anos.
Reza a lenda que vencer o Carioca não estava nos planos desse ano 1 de reestruturação. Me parece razoável e pé no chão. Ninguém nos prometeu títulos, mas também nos prometeram subliminarmente o fim das humilhações e dos vexames. Tragédias que antes só aconteciam no Brasileiro. O desempenho nessa Taça Rio já alcançou o nível mais baixo até onde estamos dispostos a ir. Ele simboliza tudo que não queremos mais ver no Flamengo. Falta de bola, falta de técnica, de tática, de raça e de compromisso.
Essa lama, para nós inédita, na qual hoje estamos afundados até a cintura, tem que ser o marco zero. Não podemos descer mais. Daqui pra frente temos que avançar e subir. A barca, a limpa, o passaralho, ou seja lá qual for o eufemismo para extermínio que esteja em voga no jargão corporativo, tem que começar agora. Aliás, já devia ter começado há muito tempo.
Chega de improvisos. Se é pra começar do zero, vamos começar do zero mesmo. Mas só com quem merece e está a fim de jogo. Livrem-se das laranjas podres pra ontem. Vamos trabalhar, meus amigos. Tá na hora de ser mau, cortar as cabeças certas e trazer novos talentos.
A fábrica tem nova direção, a marca tem ótima reputação e dinheiro novo está entrando. É verdade que o cliente está puto, mas apesar dos 900 e poucos gatos pingados em Moça Bonita é o mais fiel que existe. Coloquem um TIME com letra maiúscula em campo que a Magnética comparece. Mas se não derem logo um jeito no produto é certo que vai feder.
Por Artur Muhlenberg

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