Você é político ou assessor e tem movimentações financeiras que podem levantar suspeitas? Não se preocupe! Aqui está um breve guia, inspirado no ex-presidente José Sarney (MDB), para se livrar de incômodos judiciais.
1) Evite ações que podem ser confundidas com crimes.
Em 2006, a Polícia Federal iniciou a Operação Boi Barrica/Faktor. Tratava-se de um suposto caixa dois organizado por Fernando Sarney para a campanha de Roseana Sarney ao governo maranhense naquele ano. Fernando teria falsificado documentos para favorecer empresas em contratos com estatais ligadas ao Ministério de Minas e Energia. Fernando cometeu uma ingenuidade no ano eleitoral: sacou R$ 2 milhões em dinheiro vivo. Isso foi captado pelo COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), à época ligado ao Ministério da Fazenda e agora sob jurisdição do Ministério da Justiça.
2) Interfira em nomeações nos órgãos de controle.
O Coaf faz parte de uma rede de órgãos de combate à corrupção que não tem par no mundo. O Brasil conta com Tribunal de Contas da União, Ministério Público, Polícia Federal, Controladoria-Geral da União e outras organizações menores que são muito ativas e politicamente autônomas. TCU e Ministério Público têm pouquíssima interferência de potenciais criminosos pois políticos não podem substituir seus integrantes livremente – muito menos os do corpo técnico. CGU e Polícia Federal têm, na prática, tranquilidade para trabalhar, mas políticos ousados podem nomear pessoas suspeitas para chefiá-las. Foi o que o hoje festejado (por alguns) ex-presidente Michel Temer (MDB) fez em novembro de 2017 ao nomear Fernando Segovia para dirigir a Polícia Federal. Segovia havia sido superintendente da Polícia Federal no Maranhão. Segundo a imprensa à época informou, suas relações com a família Sarney eram muito boas. (Segovia foi demitido em fevereiro de 2018 após uma entrevista desastrosa na qual ameaçou o delegado Cleyber Malta Lopes de processo administrativo por investigar Temer.)
3) Cale a imprensa que reporta os supostos crimes.
Em julho de 2009, o jornal “O Estado de S. Paulo” foi proibido de publicar notícias sobre a Operação Boi Barrica/Faktor, a pedido de Fernando Sarney. A proibição, claramente ilegal, foi dada pelo desembargador Décio Vieira. Quatro meses depois, o Supremo Tribunal Federal bancou a decisão de Vieira, alegando que a investigação estava sob segredo de justiça.
4) Tenha informantes no baixíssimo escalão de Brasília.
A investigação da Polícia Federal, originada no Coaf, seguia. Fernando Sarney foi indiciado em 2009 graças às informações bancárias reveladas pelo conselho. De acordo com um especialista em combate à corrupção com quem conversei em 2017, cujo nome mantenho anônimo, “o Coaf é um órgão exemplar. A equipe recebe comunicações suspeitas de lavagem de dinheiro e repassa para autoridades quando há indicio de crime. É uma estrutura mínima, não tem nem quadro próprio. É fantástico, todo informatizado. Uma equipe extremamente estável”. Mas outra fonte que trabalhou na operação me contou, sob as mesmas condições, que “tamanho era o poder [da família Sarney] que você pedia quebra de sigilo para o banco e vazava. Elemento surpresa zero!”. O Coaf pediu quebra de sigilo bancário para o Banco Central e não está claro em qual dos dois lugares a fonte de Sarney estava. Mas funcionou.
5) Convença o Superior Tribunal de Justiça (STJ) a anular as provas.
Saber em que pé estavam as investigações do Coaf e impedir o acesso de cidadãos a essas informações era bom para a família Sarney, mas não o suficiente. Coaf, Polícia Federal e Ministério Público avançavam. Até que em 2011 os advogados da família conseguiram algo inédito. Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça anulou a operação da Polícia Federal alegando que ela não podia ter começado tendo como provas somente informações do Coaf. “Um absurdo completo”, de acordo com uma das minhas fontes.
6) Se nada mais der certo, acione o Supremo Tribunal Federal.
Se o STJ não te socorreu e você chegou a esta casinha do jogo, lamento. Você não é um insider de Brasília e não sabe usar o poder que tem. Flávio Bolsonaro (PSL), que será senador daqui a duas semanas, pediu hoje que o STF pare a investigação de seu ex-assessor Fabrício Queiroz, aquele que movimentou R$ 1,2 milhão em um ano.
A movimentação “atípica” foi revelada, é claro, pelo Coaf. Na reclamação ao tribunal, Bolsonaro-zero-um alega que o Ministério Público estadual do Rio de Janeiro não poderia ter recebido as informações do Coaf sem antes ser autorizado pelo STF. Afinal, o senador eleito pode ter direito ao foro privilegiado, que garantiria análise dos onze ministros-juízes. Da revista Exame
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