Papa Bento XVI dirigindo Consistório no Vaticano nesta Segunda-feira (11), quando anunciou sua renúncia ao papado - Osservatore Romano/Reuters
Nos últimos dois anos, as aparições públicas do papa Bento XVI passaram a despertar as lembranças da reta final do pontificado de seu antecessor, João Paulo II - e não por causa da forte ligação pessoal entre os dois. Assim como o pontífice polonês, o alemão, que mostrava boa condição de saúde na primeira metade de seu papado, passou a ser incapaz de ocultar seu sofrimento.Os sinais claros de que a idade pesava sobre seus ombros - a voz frágil, os movimentos lentos, o olhar com aspecto vitrificado, a necessidade de auxílio para se movimentar - já despertavam as mesmas preocupações que cercaram João Paulo II no crepúsculo da vida. Os especialistas começavam a listar possíveis sucessores. Os organizadores da Jornada Mundial da Juventude, no Rio, em julho deste ano, preparavam-se para lidar com a provável ausência do pontífice. Ainda assim, o início repentino da sucessão papal chocou a todos - afinal, ninguém pensava na possibilidade de renúncia. O anúncio feito nesta segunda-feira por Bento XVI é surpreendente não apenas pelo histórico da Igreja Católica (o último a deixar o Trono de Pedro por vontade própria foi Gregório XII, em 1415) mas também pelo forte contraste em relação ao desfecho escolhido pelo alemão, que acompanhou de perto o antecessor em seu calvário público - e testemunhou, também, a prova de fé do polonês ao suportar o sofrimento por acreditar que só a morte deveria interromper sua missão como papa.
O então cardeal Joseph Ratzinger foi a figura mais influente e poderosa do Vaticano no pontificado de João Paulo II (com exceção do próprio papa, evidentemente). Os dois tinham uma fortíssima ligação, já que compartilhavam de visões parecidas a respeito do estado da Igreja e do futuro do catolicismo. Como homem forte do papa na defesa da doutrina, o alemão era um dos interlocutores mais frequentes de João Paulo II - talvez só os auxiliares pessoais do papa tivessem mais acesso a ele. Nesse contexto, Ratzinger acompanhou ao vivo, e sempre muito de perto, cada momento da luta do pontífice contra sua doença. Ele já não conseguia andar, falar nem mastigar, com a maior parte de seus músculos internos enrijecida pelo Parkinson.
Ainda assim, seguia tentando cumprir seus compromissos públicos - e protagonizando cenas comoventes de devoção e fé. O terceiro pontificado mais longo de todos os tempos chegou a seu término com uma exposição pública de dor jamais vista na história da Igreja Católica. Mas houve um sentido nisso. Paralisado e silenciado pela doença, João Paulo II transubstanciou seu calvário particular numa mensagem universal: a de que não existe redenção sem sofrimento (uma mensagem sobre a qual, aliás, se alicerça o cristianismo). João Paulo II carregou sua cruz diante dos olhos do mundo. Muitos podiam não concordar com tudo o que o papa polonês pregou e defendeu. Mas tornou-se impossível não admirá-lo pela sua coragem na saúde e na doença, na vida e na morte.
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Aclamado pelos fiéis na cerimônia fúnebre vista por mais pessoas na história, João Paulo II consolidou entre os fiéis a noção de que, apesar de permitida pelos códigos do Vaticano, a renúncia não era uma hipótese aceitável na prática, por significar o fim prematuro de uma missão divina confiada ao sumo pontífice, o escolhido de Deus - através dos votos do colégio de cardeais - para comandar a Igreja. A decisão de Bento XVI de interromper voluntariamente seu pontificado chocou os fiéis justamente por isso: poucas pessoas no mundo conhecem mais sobre a história do papado do que o alemão e talvez ninguém no planeta tenha acompanhado mais de perto o exemplo de João Paulo II.
Sua renúncia, portanto, nunca foi seriamente cogitada por ninguém que não o próprio papa. O que, afinal, convenceu Bento XVI a tomar essa decisão tão inesperada? Por enquanto, seu pronunciamento oficial - que diz apenas que ele "não tinha mais forças para exercer adequadamente o ministério petrino" - é insuficiente para que se saiba mais a respeito de sua real condição. O Vaticano não fala sobre nenhuma doença específica. Sobre pelo menos uma coisa não há dúvidas, pelo menos até agora: Bento XVI está plenamente consciente e convicto de sua decisão, por mais que ela contrarie tudo o que se esperava dele. "No mundo de hoje, sujeito a rápidas mudanças e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé, é necessário também o vigor quer do corpo quer do espírito", escreveu o papa. "Tenho de reconhecer a minha incapacidade para administrar bem o ministério que me foi confiado." Se João Paulo II foi apelidado de "o papa das surpresas", Bento XVI era visto como o pontífice do continuísmo, da transição sem sobressaltos. Em seu último lance, rompeu com a tradição - e acabou surpreendendo mais até que o antecessor.
Papa Bento XVI dirigindo Consistório no Vaticano nesta Segunda-feira (11), quando anunciou sua renúncia ao papado - Osservatore Romano/Reuters
Nos últimos dois anos, as aparições públicas do papa Bento XVI passaram a despertar as lembranças da reta final do pontificado de seu antecessor, João Paulo II - e não por causa da forte ligação pessoal entre os dois. Assim como o pontífice polonês, o alemão, que mostrava boa condição de saúde na primeira metade de seu papado, passou a ser incapaz de ocultar seu sofrimento.Os sinais claros de que a idade pesava sobre seus ombros - a voz frágil, os movimentos lentos, o olhar com aspecto vitrificado, a necessidade de auxílio para se movimentar - já despertavam as mesmas preocupações que cercaram João Paulo II no crepúsculo da vida. Os especialistas começavam a listar possíveis sucessores. Os organizadores da Jornada Mundial da Juventude, no Rio, em julho deste ano, preparavam-se para lidar com a provável ausência do pontífice. Ainda assim, o início repentino da sucessão papal chocou a todos - afinal, ninguém pensava na possibilidade de renúncia. O anúncio feito nesta segunda-feira por Bento XVI é surpreendente não apenas pelo histórico da Igreja Católica (o último a deixar o Trono de Pedro por vontade própria foi Gregório XII, em 1415) mas também pelo forte contraste em relação ao desfecho escolhido pelo alemão, que acompanhou de perto o antecessor em seu calvário público - e testemunhou, também, a prova de fé do polonês ao suportar o sofrimento por acreditar que só a morte deveria interromper sua missão como papa.
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