Apesar da determinação do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), para que a Controladoria-Geral da União (CGU) faça um pente-fino em “de todos os repasses de emendas PIX” que beneficiaram ONGs ao longo dos últimos quatro anos, o trabalho de auditoria da CGU deve se limitar, pelo menos neste momento, a uma amostra de apenas dez entidades espalhadas em sete Estados.
Em 1º de agosto, Dino determinou que as “emendas pix” realizadas entre 2020 a 2024 e direcionadas para ONGs deveriam seguir os requisitos de transparência e serem auditadas pela CGU em um prazo de 90 dias, que se esgotou em 30 de outubro. Depois, em 14 de agosto, o ministro suspendeu as emendas até que o Congresso as reformulasse e criasse mecanismos de fiscalização e rastreabilidade, o que ainda não aconteceu.
As emendas pix, contestadas em ações no STF movidas pelo PSOL e pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), permitem que cada parlamentar indique valores para as contas de prefeituras e Estados, que podem usar a verba como bem entenderem.
“Não é uma luta fácil: auditar emendas pix é auditar a base que dá sustentação para o governo”, diz uma fonte que conhece os bastidores do caso.
Segundo técnicos do governo ouvidos pela coluna, a decisão de Flávio Dino abriu uma janela de oportunidade para fiscalizar esses repasses bilionários, mas há dúvidas sobre até onde vai esse comprometimento da cúpula do órgão em auditar as emendas com a profundidade e a extensão necessárias.
O resultado destas eleições confirmou o impacto das “emendas pix” no tabuleiro político regional. Como informou o GLOBO, nos 112 municípios que mais receberam recursos desse tipo, 105 reelegeram seus prefeitos, um índice de 93,7%.
Critérios da fiscalização
Mesmo delimitando o universo amostral para apenas 10 ONGs de um universo de 272 entidades que poderiam ser fiscalizadas, o governo Lula não conseguiu cumprir o prazo de 90 dias determinado por Dino, relator das ações que tramitam no STF contra as “emendas pix”.
Na última quinta-feira (31), o ministro do STF atendeu a um pedido do governo Lula para prorrogá-lo – agora, a CGU tem até o dia 11 de novembro para apresentar o trabalho.
Segundo a equipe da coluna apurou, a CGU está se debruçando sobre duas ONGs de cada região brasileira, focando as que mais receberam recursos via “emenda pix” de cada parte do país. Mas o número da amostra é considerado muito baixo por técnicos ouvidos reservadamente pelo blog, que avaliam que o recorte não permite uma opinião muito aprofundada e completa, apesar da gravidade da questão.
O trabalho de avaliação da CGU foca no processo de seleção das ONGs, na adequação dos projetos firmados, na regularidade das compras realizadas, no monitoramento da parceria e na avaliação da transparência. As atividades incluem análise de documentos, visitas in loco de auditores e entrevistas com funcionários das ONGs.
Técnicos da CGU ouvidos pelo blog ponderam que são várias as demandas do STF. “Auditar as “emendas pix” direcionadas para ONGs é uma das determinações do Flávio Dino. Além disso, a CGU também está realizando neste momento outra auditoria sobre as emendas do chamado ‘orçamento secreto’. E, depois de finalizadas essas duas mais urgentes, que possuem prazos estipulados pelo STF, ainda teremos que auditar as ‘emendas pix’ de forma geral – e não apenas as direcionadas para ONGs”.
“Estamos acostumados com alta demanda, e a CGU tem capilaridade para isso, com unidades em todas as capitais. O real problema é o movimento da carreira, que já se estende desde agosto, e inclui greve, operação padrão e entrega de cargos, o que tem atrasado entregas relevantes, como as do STF. E o problema só tende a piorar se o governo Lula não fizer nada. Do último concurso, dos 393 novos servidores, 118 já saíram para carreiras mais valorizadas. É uma bomba relógio”, alerta um técnico.
Para a diretora de programas da Transparência Brasil, Marina Atoji, o número de ONGs fiscalizadas é pequeno – e esbarra em uma série de empecilhos, tanto internos quanto externos à Controladoria.
“O ideal seria que pelo menos 10% dessas ONGs que receberam recursos fossem auditadas. Aí você teria uma amostra mais significativa, mais confiável. O mínimo ideal seria pelo menos o dobro, o triplo de ONGs auditadas, mas acho que a CGU esbarra em limitação de recursos e de tempo. O prazo que o ministro Flávio Dino determinou é pequeno para uma auditoria desse tipo e complexidade, que envolve emendas difíceis de serem rastreadas.”
Número de operações em queda
Conforme informou o blog, a auditoria limitada das “emendas pix” ocorre num momento em que o número de operações especiais da CGU voltadas para o combate à corrupção vem caindo desde o início do governo Lula – e coincide com a reformulação interna da CGU, que extinguiu em 2023 a Secretaria de Combate à Corrupção, criada pelo governo Bolsonaro quatro anos antes.
Se durante o governo Bolsonaro (2019-2022), o número médio de operações dessa natureza foi de 66 por ano, durante o governo Lula a quantidade despencou para 37 operações em 2023. Neste ano, foram 33 investigações realizadas até 23 de outubro, segundo os dados divulgados pela própria CGU em sua página oficial.
Essas operações existem desde 2003 e são feitas em parceria com outros órgãos de fiscalização e controle – como Polícia Federal, Receita Federal, Ministério Público, Tribunais de Contas e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
O trabalho na área foi incorporado às atividades da Secretaria Federal de Controle Interno, e os auditores, anteriormente focados no combate à corrupção, agora precisam conciliar as operações com o trabalho rotineiro de avaliação de programas de governo, como o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida e o Farmácia Popular.
Procurados pelo blog, a CGU e o gabinete de Flávio Dino não se manifestaram sobre a auditoria nas “emendas pix”. (O Globo)
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