Folha de S. Paulo
A CGU (Controladoria-Geral da União), ligada ao governo Lula (PT), constatou irregularidades em seis dos dez repasses de emendas Pix a ONGs analisados pelo órgão, com a indicação expressa pelo parlamentar de beneficiário ou do objetivo específico para a aplicação dos recursos, em valores que somam cerca de R$ 13 milhões.
De acordo com relatório preliminar concluído na quinta-feira (7) e obtido pela Folha, essas indicações foram evidenciadas em ofícios expedidos pelos próprios parlamentares ou em despachos nos respectivos processos administrativos.
Dentre os citados pelo relatório da CGU estão o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), líder do governo no Congresso —ele nega irregularidades.
A análise, elaborada por determinação do ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), também identificou sobrepreço nas contratações, falta de capacidade técnica para a execução dos objetos e ausência de chamamento público para a escolha das ONGs.
As emendas Pix são verbas direcionadas por parlamentares para o cofre de prefeituras e governos estaduais sem a necessidade de apontar como o recurso será usado.
O tema está no centro de uma crise entre o Congresso e o Judiciário —Dino exige mais transparência para os recursos, e parlamentares dizem ver as digitais do governo por trás da atuação do ministro do STF.
Na análise da CGU —que focou apenas 20 ONGs, sendo dez beneficiadas com emendas Pix— foi citada, por exemplo, uma transferência Pix no valor de R$ 9,5 milhões determinada pela senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB) ao Governo da Paraíba e, por esse, repassado à Fundação Parque Tecnológico da Paraíba (PaqTcPB).
A verba teve como objetivo a execução dos eventos “Bom é na Feira” e “Centro de Cultura Junina para quadrilhas em Campina Grande”, além da reforma de um parque de tecnologia, entre 2023 e 2024.
Segundo a CGU, a partir das análises realizadas sobre as parcerias, verificou-se que a parlamentar “selecionou expressamente a entidade parceira e os projetos a serem contemplados, prescindindo de chamamento público para seleção”.
De acordo com o órgão, não cabe a indicação pelo parlamentar de organização da sociedade civil como beneficiária nessa modalidade.
Também constatou-se que não houve processo de seleção da organização por meio de chamamento público. A Controladoria ainda aponta que as definições sobre a cidade, a instituição executora e os projetos “foram estabelecidos expressamente pela parlamentar autora da emenda”.
“É oportuno mencionar que a parlamentar responsável pela emenda é grande incentivadora de ações implementadas pela fundação, inclusive já recebeu o título de ‘embaixadora do PaqTcPB”, diz a CGU.
A fiscalização do projeto mostra que a ONG não apresentou capacidade operacional e técnica para executar os principais objetos do contrato. Ainda há indícios de direcionamento para a contratação de serviços de empresas de ex-funcionários da ONG, segundo a CGU.
A senadora e a ONG negam qualquer irregularidade.
Outras emendas Pix com supostas irregularidades na execução, de acordo com o relatório da CGU, foram feitas pelo senador Randolfe Rodrigues, nos valores de R$ 550 mil e de R$ 300 mil.
Ambas foram transferidas ao Governo do Amapá, que repassou para a organização da sociedade civil Inorte (Instituto de Gestão em Desenvolvimento Social e Urbano). O objetivo foi a realização da festa de aniversário de 79 anos do município de Oiapoque e da Festa de São Tiago 2024.
Entre as irregularidades, a Controladoria diz que a transferência especial, com a emenda Pix, ocorreu para uma ação definida pelo parlamentar autor da emenda. Além disso, afirmou que não houve chamamento público e que foram contratadas empresas ligadas a dirigentes da instituição, além de sobrepreço.
O órgão diz que, pela “interpretação literal” da Constituição, as emendas do tipo transferência especial só podem ter como beneficiários diretos prefeituras e estados. A decisão sobre a aplicação dos recursos “deve ser exclusiva dos mesmos”.
A CGU também destacou que foi verificado “o registro de publicidade pessoal do congressista responsável pela indicação da emenda durante a execução do evento”.
É possível ver uma publicação no Instagram do Inorte, no dia 21 de setembro, com uma entrevista com Randolfe na divulgação de um evento com e legenda: “No segundo dia de Festival Equinócio o senador Randolfe Rodrigues já nos adianta que tem muito mais surpresas pela frente”.
Procurado pela Folha, Randolfe diz que não direcionou as emendas para nenhuma instituição e que desconhece a ONG, exceto pelos trabalhos realizados. Em divergência com a CGU, Randfolfe diz que apontar em que a emenda deve ser executada obedece aos critérios de transparência.
“Dar uma indicação específica do objeto para onde o recurso vai é exatamente o que o ministro Dino pede, para mais transparência. Já o governo do estado é que faz e acompanha a execução”, disse.
A Inorte disse que todas as informações do contrato são públicas, que as respostas já foram enviadas para a CGU e que as prestações de contas foram feitas.
No caso da emenda da Paraíba, a senadora Daniella Ribeiro disse, por meio da sua assessoria, que não há qualquer irregularidade na destinação de sua autoria e que, conforme informações da fundação, a execução dos projetos ocorreu na forma da lei.
Também disse que parte dos recursos foram integralmente devolvidos à Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Inovação, “por razões de ordem técnica e recomendação jurídica”, e que é permitido fazer a dispensa de chamamento público para a indicação da aplicação dos recursos.
A secretaria respondeu que todos os processos seguiram os dispositivos legais, com monitoramento na execução.
A diretoria da fundação da Paraíba enviou o mesmo conteúdo da senadora e acrescentou que a organização possui plena capacidade técnica e operacional, fundamentada nos seus 40 anos de atividades.
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