O presidente Luiz Inácio Lula da Silva usou a comemoração de 43 anos do PT na noite desta segunda-feira, dia 13, em Brasília para mandar recados ao antecessor, Jair Bolsonaro – chamado de genocida –, defender um processo de “limpeza” na máquina pública e enaltecer lideranças do partido atingidas por escândalos de corrupção, como o ex-ministro José Dirceu. Condenado e preso no mensalão e na Lava Jato, Dirceu ocupou um assento ao fundo no palco e foi citado nominalmente por Lula.
“Companheiro Zé Dirceu, agradecer você, porque eu sei o quanto você foi solidário ao que eu passei”, afirmou Lula.
O presidente voltou a citar o período de 580 dias que passou na cadeia em Curitiba, por causa dos processos da Lava Jato que respondeu, e agradeceu a solidariedade de Dirceu, também ex-deputado e ex-presidente do PT, que ficou preso na carceragem da Polícia Federal por acusações de corrupção. Lula demonstrou gratidão ainda aos militantes petistas que montaram uma vigília ao lado do cárcere em Curitiba e que “enfrentaram chuva, sol e provocação da Polícia Federal”, afirmou o presidente.Por suspeição do ex-juiz Sergio Moro, os processos contra Lula fora anulados no Supremo, o que permitiu que ele disputasse e vencesse as eleições presidenciais do ano passado contra Bolsonaro.
“Tudo que nós fizemos em 13 anos de governo do PT foi destruído em 6 anos depois do golpe e depois do último mandato de quatro anos do genocida, que haverá de ser julgado pela quantidade de pessoas que morreram inocentes nesse País”, afirmou o presidente da República, citando o aumento de pessoas em situação de rua e a crise humanitária do povo indígena ianomâmi. “Vamos brigar pelo nosso partido e pelo povo brasileiro para que nunca mais um genocida ganhe as eleições com base na indústria da mentira.”
“Um dos melhores momentos desse País foi no meu governo, onde banqueiro ganhou, empresário ganhou e trabalhador ganhou. E agora eles dizem ‘que Lula vai voltar’? Vai voltar o Lula que a dona Lindu pariu para governar esse País da forma que o País precisa ser governado”, disse.
No ato público, Lula subiu ao palco com traje mais de líder político do que presidente. Ele deixou de lado assuntos de governo, sobretudo na esfera econômica, como as críticas à cobrança por responsabilidade fiscal, e terceirizou a ofensiva à taxa básica de juros e ao Banco Central para a presidente do partido, Gleisi Hoffmann.
Lula voltou a reclamar da quantidade de dinheiro público que o ex-presidente entregou durante as eleições e disse que Bolsonaro não esperava ser derrotado. Ele disse que vai “levar um tempo” para organizar o governo e reconheceu a necessidade de “fazer mais” do que nos três mandatos anteriores do PT. O petista criticou a herança bolsonarista.
“Se a gente fizer menos, será muito ruim para o futuro do nosso partido. Mas vocês precisam compreender que recebemos um País em 2023 muito pior do que em 2003. Muito mais incivilizada a sua máquina pública, muito mais gente que não tem direito e que entrou nessa máquina pública e vamos levar um tempo para fazer um processo de limpeza, fazer com que pessoas que pregam ódio, que vivem xingando e ofendendo as pessoas na rua sejam isoladas da sociedade brasileira”, afirmou o presidente.
Lula discursou diante de uma faixa que pedia: “Golpistas na cadeia. Punição aos crimes eleitorais”. Lula já havia defendido a “desmilitarização” e a “desbolsonarização” do governo e do Palácio do Planalto, mas ministros envolvidos no pente fino negavam um processo de “higienização” com viés ideológico. Embora tenha escancarado a “limpeza”, Lula disse que o PT voltou ao Planalto “sem ódio e sem rancor”.
Segundo o líder do PT, os fundadores do partido eram cobrados e precisavam explicar, ao londo de anos, por que a bandeira era vermelha, o motivo de usarem barba e a razão de o símbolo da sigla ser uma estrela.
Diante dos questionamentos sobre qual versão de si voltou ao poder, respondeu que se trata do Lula “que não pode esquecer suas origens”. Emotivo, afirmou que viveu repartindo espaço “com rato e barata”, que “passou fome e comeu pão pela primeira vez ao sete anos de idade” e que não vai permitir mais que crianças morram de fome no Brasil.
Lula assinou autorização para contribuição ao PT por meio de débito em conta corrente. O valor não foi divulgado. Mas pelo estatuto petista os ocupantes de cargos públicos devem contribuir com o cofre da legenda. Lula pediu que outros militantes doem para que o partido mostre a diferença e não fique dependente dos fundos partidário e eleitoral, sujeitos à fiscalização de contas nas cortes superiores. “Temos que ter o fundo da moral, da ética e da vergonha”, afirmou Lula.
Lula embargou a voz quatro vezes. Sem a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, recorreu a um garçom para aplacar as falhas frequentes na voz com água. Janja ausentou-se porque passara por exames oftalmológicos que impediram sua participação, explicou sua assessoria.
Ex-presidente do PT durante o escândalo do mensalão (2003-2005) e um dos condenados e presos no processo, o ex-deputado federal José Genoino defendeu que o partido não pode mais errar no governo e deve construir um polo à esquerda. O ex-dirigente petista, um dos ícones do partido, ausentou-se do ato de comemoração dos 43 anos da sigla, em Brasília, onde o presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursou.
“Temos que atualizar nossa linha política e mudar os métodos de organização para que o PT se coloque à altura de construir um polo à esquerda neste momento. Vai ser preciso a gente não errar no atendimento à população mais pobre, excluída, às mulheres, aos indígenas, á comunidade LGBTQIA+, à nova classe trabalhadora, à luta contra o racismo e à luta pela soberania nacional”, disse Genoino, em recado transmitido por meio de vídeo gravado. “A democracia não é apenas um enfeite, a democracia tem que ser substantivada para melhorar a qualidade de vida do povo brasileiro.”
A sugestão de um polo à esquerda vai na contramão da construção de uma frente ampla, com partidos de centro e centro-direita, que Lula organizou na campanha de 2022 para derrotar o ex-presidente Jair Bolsonaro.
O presidente tentou espelhar a pluralidade de partidos na formação do governo e na construção agora de uma base de apoio parlamentar, com participação de legendas do Centrão que fizeram oposição a ele.
Em indireta a Jair Bolsonaro, a ex-presidente Dilma Rousseff disse que PT voltou ao poder porque Lula não fugiu, embora tenha sido aconselhado a sair do Brasil. “Nosso grande líder que caminhou de cabeça erguida, não fugiu, não correu e não se esquivou. Não saiu do Brasil, ficou aqui e enfrentou os 580 dias de prisão”, disse Dilma. “Muitas pessoas aconselharam o presidente a ir embora do País. Não fugiu da raia, encarou e enfrentou. Eu sei e muitos aqui sabem, Fernando Pimentel (ex-governador de Minas Gerais) está aqui e sabe, não é fácil ir para prisão, e o presidente foi com a cabeça erguida. E por isso nós conseguimos voltar, o voltaremos se realizou.”
Na economia, Dilma disse que neoliberalismo criou imensa desigualdade, criticou a privatização da Eletrobrás “por um prato de lentilha”, e afirmou que o PT trabalhou para manter integridade da Petrobras.
Durante o governo dela, revelou-se o escândalo da Lava Jato. Depois de ter sofrido impeachment, em 2016, ela afirmou que o governo enfrenta um cenário de adversidade no Congresso Nacional. Segundo ela, a missão do PT agora é muito mais exigente e desafiadora, após o fim do governo Bolsonaro – que classificou como de índole fascista – e pediu “sem anistia”.
“Nosso partido tem um desafio, ser capaz de dar sustentação para nossas mudanças, a nossos parlamentares tem uma correlação adversa de forças no parlamento. Nosso parlamento é conservador, nosso governo precisa de sustentação no parlamento e na sociedade. É hora de nos organizarmos e nos conscientizarmos de quais são as lutas que temos de enfrentar”, afirmou a ex-presidente. (Estadão)
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